O yoga, como o conhecemos hoje, é o resultado de uma longa evolução que se estende por milênios. Para compreender verdadeiramente suas raízes, devemos voltar nosso olhar para a Índia antiga, onde as sementes do yoga foram plantadas e cultivadas ao longo de três períodos cruciais: o védico, o upanishádico e o clássico inicial.
Período Védico (c. 1500-500 a.C.): No alvorecer da civilização indiana, os antigos rishis (videntes) compuseram os Vedas, textos sagrados que formaram a base do hinduísmo. Nesta época, o "yoga" ainda não existia como um sistema codificado, mas seus fundamentos estavam sendo estabelecidos. (Os Vedas, especialmente o Rigveda, falam de "tapas" (austeridade) e "ekagrata" (concentração de um ponto), conceitos que mais tarde se tornariam centrais na prática yóguica).
A visão de mundo védica era centrada em um cosmos animado por deidades que personificavam forças naturais. Os seres humanos buscavam harmonia com esta ordem cósmica (rta) através de elaborados rituais e sacrifícios (yajna). Esta busca por conexão com o divino através de ações externas tem paralelos em outras civilizações antigas. Na Grécia, por exemplo, os rituais aos deuses olímpicos serviam a um propósito similar de manter a ordem cósmica. Na China, durante a dinastia Zhou, os rituais eram vistos como essenciais para manter a harmonia entre o Céu e a Terra.
Período Upanishádico (c. 800-200 a.C.): Com o advento das Upanishads, houve uma profunda mudança no pensamento indiano. O foco deslocou-se dos rituais externos para a exploração interna da consciência. As Upanishads introduziram conceitos fundamentais como Atman (o self individual) e Brahman (a realidade última), postulando que a realização da unidade entre estes dois era o objetivo supremo da existência humana.
Este período viu o nascimento do yoga como uma prática contemplativa, com ênfase em técnicas de meditação e autodisciplina. A famosa frase "Tat Tvam Asi" ("Tu és Aquilo") das Upanishads encapsula a essência desta filosofia: a identidade fundamental entre o indivíduo e o cosmos.
Curiosamente, este movimento em direção à interiorização e à busca por uma realidade transcendente encontra ecos em outras partes do mundo
durante o mesmo período. Na China, Lao Tzu estava articulando os princípios do Taoísmo, enfatizando a harmonia com o Tao (o Caminho) através da contemplação e não-ação (wu wei). Na Grécia, filósofos pré-socráticos como Heráclito e Parmênides estavam questionando a natureza fundamental da realidade, movendo-se além das explicações mitológicas tradicionais.
Período Clássico Inicial (c. 200 a.C. - 200 d.C.): Este período é marcado pela sistematização do yoga, principalmente através dos Yoga Sutras de Patanjali. Este texto seminal define o yoga como "chitta vritti nirodha" - a cessação das flutuações da mente. Patanjali delineou o Ashtanga Yoga (Não confundir com o Ashtanga físico da era moderna), fornecendo um caminho prático para a realização espiritual.
O Yoga de Patanjali representa uma síntese sofisticada de práticas contemplativas e filosóficas, oferecendo um sistema coerente para a transformação da consciência. Sua abordagem sistemática à espiritualidade tem paralelos interessantes com outros sistemas filosóficos que estavam se desenvolvendo ao redor do mundo. Na Grécia, o Estoicismo, fundado por Zeno de Cítio, oferecia um caminho de disciplina mental e ética para alcançar a paz interior. No Budismo, que estava se espalhando pela Ásia, o Nobre Caminho Óctuplo apresentava uma estrutura sistemática para a libertação do sofrimento, reminiscente em alguns aspectos do Ashtanga Yoga de Patanjali.
Ao longo destes três períodos, vemos uma evolução notável no pensamento indiano: de uma ênfase em rituais externos para uma exploração profunda da consciência interna. O yoga emergiu como uma tecnologia espiritual sofisticada, oferecendo um caminho para a transcendência e a realização do self.
Esta jornada do yoga antigo reflete uma tendência mais ampla na história do pensamento humano: a busca por compreender nossa natureza mais profunda e nosso lugar no cosmos. Enquanto cada civilização abordou estas questões de maneiras únicas, moldadas por seus contextos culturais específicos, podemos ver temas comuns emergindo: a busca pela harmonia com uma ordem cósmica maior, a exploração da consciência humana, e o desenvolvimento de práticas disciplinadas para alcançar estados elevados de ser.
O yoga, em sua evolução do ritual à filosofia contemplativa, oferece uma visão desta jornada humana universal. Ele nos lembra que, apesar das diferenças culturais e geográficas, a humanidade compartilha uma busca comum por significado, transcendência e compreensão de nossa verdadeira natureza. Esta perspectiva não apenas enriquece nossa compreensão do yoga, mas também nos convida a ver as conexões profundas que unem as diversas tradições espirituais e filosóficas da humanidade.
Nota de Direitos Autorais
Este texto é de autoria de Ana C.M. Surya, professora de yoga e escritora do blog Surya Yoga www.projetosuryayoga.com. Você tem permissão para compartilhar este conteúdo, desde que mencione a autora e forneça um link direto para o site.
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